Mais um dia em que o telemóvel misteriosamente voltou a não despertar. O único dia em que fico grato às femmes de ménage por acordarem toda a gente com o irritante ruído do cartão a bater nas portas e os gritos arrastados "Draps...! Draps...!". Olho para o telemóvel, 09:21, "não acredito...", e hoje precisava mesmo de ter acordado à hora, às 7, para falar com Mlle. Ducom e esclarecer de uma vez por todas que disciplina de Geografia escolhia. Nervos, nervos. Entrego os lençóis usados completamente em estado de sobreaquecimento e pijama. Nervos, nervos. Decido que mais vale comer qualquer coisa, a aula começara às 9h, só importava agora chegar a tempo do fim. Leite com café, um bocado de pão com geleia. Últimas arrumações no quarto para que as femmes não tenham desculpa para não o limpar. Desço as escadas, penso em bater na porta de S., mas desisto, penso que provavelmente já saiu. Ainda assim, espreito na cozinha, está lá J. a ler e a tomar o pequeno-almoço. Entro e disparo a minha situação, sentia necessidade de a comunicar alguém, para me sentir ridículo em seguida. Não precisava de ter sido tão stressado na explicação. Um sorriso é o que recebo como resposta. Ainda cheguo a tempo do final da aula e quão irónico foi pedir a uma professora para poder ficar na disciplina dela exactamente depois de ter acabado de faltar. Mas consegui, fico em Initiation à l'Aménagement!
Depois das aulas, rumo à Place d'Italie. Objectivo: comprar um despertador na Fnac. 10 euros. Na rua procuro o velho dançarino que eu e M. adoramos, mas ele não está lá. Rumo a casa, só quero chegar a casa, estou cansado, amanhã tenho de apresentar um exposé! Chego, pouco depois alguém bate a porta, já conheço aquela maneira de passar os nós dos dedos na porta, estranho-a àquela hora. Mas não me engano, é S., que me desafia para ir comer um crepe. Tive vitórias, apesar dos obstáculos, estou cansado, quero uma pausa, porque não? O convite é demasiado tentador. Lá vamos, depois de S. ter declinado o convite (como calculam, são pessoas diferentes, sendo esta a da porta a que não fui bater de manhã). Está frio, aproveito para vestir o casaco mais quente. O plano era comer os crepes mais baratos do centro de Paris em Saint-Michel e ir a comê-los até ao Pompidou. Plano gorado: a tal barraquinha de Saint-Michel está fechada. Caminhamos até ao Pompidou, S. quer comprar umas velas numa loja defronte. Comemos o crepe depois... e que crepe! Feitos há 100 anos, com pouquíssima Nutella. Bah. Regresso a casa com direito a passagem pelo Franpas. Depois do jantar S. (dos crepes) ajuda-me com o despertador desobediente. Estamos com M. (ela sim, a do velho) na cozinha pequena do 2º, dou-lhes o chocolate com framboesas que lhes prometera. S. acaba por concluir que o despertador só funciona com rádio. Liga o rádio e ouve-se o início de Sunday Bloody Sunday dos U2. Partimo-nos a rir os três, porque tanto eu como S. nos tinhamos fartado de rir na noite de Sábado no Bataclan (boulevard Voltaire) quando o pessoal curtiu a mesma canção como se fosse a coisa mais alegre e disco do mundo. Começa uma música dos Queen, S. apaga a luz. "Amiga", diz para M, "a música que liga a minha pessoa à tua e a música que liga minha pessoa à dele!" M. recorda quando cantaram uma música do mesmo grupo aos berros no trânsito (S. e M. vieram juntas de Portugal). Dançamos os três às escuras na cozinha pequena do 2º, o despertador ridículo em cima da bancada, entre o fogão e o lava-loiças.
De manhã, na Gare du Nord, de repente, vejo à minha frente uma mulher a correr apressadíssima de muletas na mão. Paris tem destas coisas.
Bien cordialement à vous,
le Chevalier.
1 commentaire:
Este é provavelmente o post mais bonito de todo o blog, até agora!:')
Gostei muito.
Um grande beijinho...
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